sábado, 13 de dezembro de 2008

A NUVEM POR JUNO

A qualidade da democracia depende essencialmente da participação dos cidadãos na vida das comunidades em que se inserem, da sua intervenção crítica consciente, estruturada, da sua capacidade de exigência de rumo e de rigor em relação aos seus eleitos.

O marketing político, os especialistas da comunicação e imagem, procuram, naturalmente, potenciar junto da opinião pública, as realizações dos eleitos, transformando actos da actividade corrente em acontecimentos de relevo, amplamente divulgados na comunicação social, muitas vezes com uma amplitude claramente desproporcionada.

É assim, seja na política local, seja na política nacional.

Façamos algumas reflexões avulsas sobre a realidade da nossa comunidade municipal:

Dá-se uma extraordinária importância ao nascimento das grandes superfícies, as chamadas catedrais do consumo, aos centros comerciais, agora mais pomposamente designados por “shopping center”.

Não vou ao ponto de ignorar que trazem algumas vantagens, como uma maior e mais variada oferta, algum emprego.

Mas por mais feérica que seja a iluminação, não podemos deixar que nos cegue, ao ponto de esquecermos a outra face da moeda, a desertificação do centro da cidade, a decadência do comércio tradicional, o desaparecimento de lojas ícones da cidade, a revolução do paradigma do comércio a retalho, com consequências que neste momento ainda ninguém sabe avaliar.

Foi inaugurado recentemente, com grande pompa e circunstância e com despesa a condizer, a chamada Praça da Cidade.

Queimou-se muito fogo-de-artifício, que o mesmo é dizer, queimou-se muito dinheiro, animou-se o povo com altos espectáculos, transformou-se o acto de inauguração num grande acontecimento, fonte de felicidade para todos nós.

No dia seguinte, apanharam-se as canas dos foguetes, pagaram-se as contas.

Então não é bom ter mais uma praça na cidade? Ainda para mais que até nem está feia, apesar de ainda lhe faltar muito verde? Claro que é bom! Aquele local devia ter sido intervencionado há muito tempo!

Mas nem por isso devemos inibir-nos de questionar se está tudo bem nesta realização.

Lamentavelmente, decorreram as “festas” sem que ninguém tenha perguntado se o modelo de negócio que a Autarquia adoptou é o que melhor serve o interesse dos Oliveirenses. É que a Praça da Cidade está feita, mas o seu pagamento vai demorar alguns anos, através da contrapartida das verbas do parqueamento, verbas que seriam receitas do nosso Município, se fossemos mais realistas e construíssemos, sem parcerias, um equipamento mais simples e apelativo para a generalidade dos Oliveirenses.

Está pronta a Biblioteca, proximamente teremos a piscina, o arquivo, a escola de enfermagem.

São obras bem-vindas? Claro que são. Ainda bem que se concretizaram, porque são obras necessárias, que contribuem para a qualidade da nossa cidade e do nosso concelho.

Mas nem por isso podemos dar-nos por satisfeitos, não podemos confundir a Nuvem por Juno e aceitar passivamente que tudo está bem.

Porque não está. Continua a faltar-nos o essencial e parece que o brilho das luzes faz muita gente esquecer-se desta realidade.

Continuamos sem instrumentos básicos de planeamento e ordenamento do território, tarda o PDM, tardam os Planos de Pormenor e em contrapartida celebrou-se recentemente, com grande aparato, um acordo com a Parque Expo, ao que dizem para “elaboração do estudo de enquadramento estratégico para a reabilitação urbana da cidade”. Sabemos que nos vai custar muito dinheiro, mas não se sabe se terá alguns efeitos práticos.

Parece que convém a alguns que tudo continue assim, para que as coisas se vão resolvendo discricionária e casuisticamente.

O Município ficou atrás naquela que deveria ter sido a sua primeira prioridade, a de dotar toda a população com água e saneamento.

Não o fez, quando era fácil conseguir financiamento público e agora procuram-se soluções alternativas para a construção destas infra-estruturas básicas, soluções que ao envolverem privados, expõem recursos e equipamentos vitais para o cidadão, à lógica do lucro.

O mesmo se passa com as infra-estruturas industriais. Não foram feitas e os resultados estão à vista. Já não são só receios de abandono do Concelho, são casos concretos de empresários que demandam os concelhos vizinhos, para aí desenvolverem as suas fábricas, para aí produzirem riqueza, essa sim riqueza, valor acrescentado, que não consumo.

Em vez de deixarmos às novas gerações um concelho moderno, dinâmico, preparado para as dificuldades que o mundo louco em que vivemos nos deixou, capaz de aqui fixar os seus filhos, de lhes oferecer oportunidades para porem à prova os seus talentos, de atrair quadros que possam trazer-nos conhecimento, experiências, desenvolvimento, o que temos para lhes deixar como herança, são carências básicas, um pântano financeiro e uma população entorpecida pela nuvem que lhe dizem ser Juno.
Armindo Nunes. Artigo publicado no jornal "A Voz de Azeméis" a 11 de Dezembro de 2008.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Crise e Burocracia

Hoje, mais do que nunca, as expectativas face ao futuro são baixas. É óbvia a impotência de diferentes líderes em negociar estratégias e soluções com vista a evitar o colapso do sistema financeiro em que assentaram poderosas instituições bancárias e bolsistas agora em apuros.

Da Europa à América, onde se praticava um liberalismo quase absoluto, defende-se e considera-se até normal, a existência de um Estado que ‘ponha a mão por cima da cabeça’ dos ‘gurus visionários’ que usaram e abusaram do poder que tinham para enriquecer. Foram ‘anos de ouro’ para aqueles que, à custa do desbarato de muitas parcas economias de aforradores que inocentemente acreditavam no poder e solidez da banca, usou as regras do mercado (ou a falta delas), criaram colossais fortunas sem prestar contas. Para esses, resolvidos os problemas associados às garantias bancárias de quem confiou no sistema, espera-se que a justiça funcione.

Porém, depois da escalada do preço de petróleo (aliás, neste momento, de novo em queda), já ninguém nos livra da crise financeira que, agora de forma perigosa, ameaça a economia real. Isto é, estamos perante uma crise de confiança nos sistemas financeiros, que ajudaram a construir economias prósperas em todo o mundo, e, sem saber as verdadeiras causas, longe de encontrar as soluções.

É neste contexto que os diferentes países competem e, sem certezas, procuram saídas que permitam relançar a confiança de empresários nacionais e investidores estrangeiros. Todavia, face a tantas incertezas, adiam-se ou anulam-se investimentos o que agrava ainda mais os problemas geradores da crise.

Como sair deste círculo vicioso? Ninguém tem a resposta, mas parece ser consensual que, a curto prazo, parte da solução se encontrará no incentivo ao investimento público. Isto é, pensa-se que a injecção de capitais públicos em importantes obras poderá ajudar a relançar a economia e a dar-lhe ‘ânimo’.

É esta a solução defendida pelo governo que assume no orçamento de 2009 um reforço no investimento em obras públicas. Segundo o Primeiro-ministro, este reforço é positivo e poderá criar condições para que as empresas portuguesas possam dispor de mais trabalho, relançando assim a economia nacional. Por outro lado, a oposição, e em particular o PSD, discordando desta estratégia que acusa de errada e despesista, não consegue apontar outros rumos e, principalmente, não diz as obras que pararia no país para que, no imediato, se atenuasse ou evitasse a crise.

Certo é que, independentemente das soluções encontradas e dos avanços verificados nos últimos anos (o que nos permitiu combater o deficit excessivo das contas públicas), esta difícil conjuntura ‘bate-nos à porta’ quando ainda não ultrapassamos alguns dos mais sérios problemas estruturais, como por exemplo o excesso de burocracia ou a lentidão da justiça (para citar dois dos principais), o que nos tem impedido de ser um país verdadeiramente competitivo.

Referindo-se a estes problemas, Luís Cabral, o economista e professor na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, numa entrevista à revista Exame deste mês, afirma que “Portugal não tem uma verdadeira economia de mercado, porque as companhias têm de lidar com imensas barreiras que não são naturais. Prendem-se com questões de burocracia, resultando de um sistema político, económico e judicial muito emperrado. Por exemplo, mil e uma licenças e regulações que umas empresas seguem e outras não. São problemas fundamentais, que custam grandes recursos às firmas, e colocam umas em vantagem face a outras”.

Ainda segundo o referido especialista, a gravidade desta situação não é só uma questão que permite o benefício de empresas já existentes face às novas, “mas também de empresas honestas e desonestas, ou daquelas que têm mais conhecimentos versus as que têm menos. Muitas vezes, não estão em causa actos ilegais, mas, face a uma barreira burocrática, saber quem é a pessoa a que a companhia tem de se dirigir para a ultrapassar. Há empresas que sabem dar a volta ao obstáculo, e outras não”.

Visto por este prisma, percebe-se os custos que a burocracia acarreta para o país e, a nível mais local, ocorre-nos o exemplo de gestão do nosso município. Com efeito, apesar dos sucessivos ‘certificados de qualidade’ dos serviços, a ‘gestão política’ pouco ou nada tem mudado, pelo que se entende bem os lamentos dos cidadãos e empresários comuns, que muito se queixam dos processos que ‘não andam’, e percebe-se melhor aqueles que se gabam e lucram com os ‘conhecimentos que têm lá dentro’. Afinal, a quem interessa a burocracia?
Manuel Alberto Pereira. Artigo publicado no jornal "A Voz de Azeméis" a 04 de Dezembro de 2008.